Cidades exigem cursos para taxistas
Vencidos portões de embarque, aduanas e esteiras de malas, táxis costumam ser o cartão de visitas para quem chega a uma cidade. Pontualidade e rigidez, típicas dos londrinos, dão fama aos black cabs. Motoristas nova-iorquinos de diversas nacionalidades e culturas ao volante falam inglês, mesmo que básico. Em São Paulo, taxistas driblam o trânsito caótico, mas precisam ficar atentos a multas que podem doer mais no bolso do que no Rio. Eles não são assim por acaso. Estão submetidos a uma infinidade de regras. Sistemas de ordenamento de táxis, dizem especialistas, não são modelos únicos e variam de acordo com as diferenças de poder aquisitivo, atrações turísticas e transporte público de cada município. Mas as regras de prefeituras de outras grandes metrópoles sugerem caminhos que podem ser adaptados à praça carioca, terra de um amarelinho para cada 198 moradores.
Um curso universitário demora, em média, quatro anos para ser concluído. A jornada de estudos em Londres — um táxi para cada 327 habitantes — pode levar o mesmo tempo, até o “diploma”, um clássico FX4 Fairway preto com a placa de “táxi” no teto. Todos os taxistas da cidade, autônomos como no Rio, precisam passar por um teste especial de conhecimento, que obriga o domínio de 320 rotas dentro da capital britânica, num total de 25 mil ruas e 20 mil pontos de interesse público. Isso àqueles que desejam uma permissão para dirigir na parte central. Para atuar no subúrbio, é cobrada uma licença específica para cada uma das nove áreas delimitadas pela prefeitura. Nesse teste, o motorista precisa conhecer entre 30 e 51 rotas em detalhes, uma preparação que leva, em média, dois anos. As aulas são oferecidas pela prefeitura e cobradas de acordo com o tipo de curso.
Além dessas duas permissões, taxistas podem ainda obter licenças para dirigir um minicab, um serviço táxi que só pode ser contratado pelo telefone, internet ou, acredite, fax. Os motoristas precisam ser aprovados em um teste de conhecimentos topográficos e passar por inspeções duas vezes ao ano. Em Nova York, há exigências, mas sem tanto rigor. Candidatos precisam fazer curso de direção defensiva, com duração de seis horas e válido por seis meses; 24 horas de aula numa das escolas de táxi cadastradas e uma prova de proficiência em inglês. Lá, há um yellow cab para cada 634 habitantes.
No Rio não há curso obrigatório, basta apresentar certidões criminais, habilitação e alguns documentos pessoais, como comprovante de residência, para dirigir um amarelinho. Uma das possíveis explicações para a falta de qualidade do serviço.
As diferenças também aparecem na hora de ir ao banheiro. Em Nova York, por exemplo, motoristas dispõem de 51 pontos de apoio na cidade onde podem estacionar por até uma hora para almoçar, ir ao banheiro ou simplesmente descansar e telefonar. No Rio, locais ermos de bairros como a Glória servem de banheiro ao ar livre. Alguns recorrem a restaurantes ou shoppings.
Iniciativas de outras cidades podem ser bem-vindas, mas as falhas no sistema do Rio são mais profundas. Esta é a avaliação de José de Oliveira Guerra, professor de Engenharia de Transportes da Uerj.
— Se a ideia for mudar no Rio, vestir do avesso, é preciso começar do zero. Licitar todas as permissões. É prerrogativa do poder público fazer licitação ou não. Podem ser estabelecidas regras de pontuação para decidir quem leva e quem não leva, considerando o tempo comprovado na atividade. O caminho é esse se quiserem enfrentar o problema de frente — sugere.
A proporção de táxis varia entre essas três metrópoles. A do Rio é a maior, e a de Nova York, a menor. Para Coca Ferraz, professor de Engenharia de Transportes da USP, os números não devem estar em primeiro plano na discussão sobre a qualidade do serviço em diferentes cidades.
— Não se pode limitar demais o número de carros. É preciso deixar também por conta do mercado. Há cidades em que é muito difícil encontrar táxis. A regulamentação deve ser mais no sentido de estabelecer requisitos mínimos para os operadores a fim de ter um serviço com qualidade — argumenta.
A prefeitura de São Paulo — um táxi para cada 332 habitantes — exige curso para candidatos a taxista. Eles precisam cumprir 32 horas de aula sobre noções de mecânica, direção defensiva e primeiros socorros em escolas autorizadas pelo município. Se passarem no teste e pagarem as taxas, ficam aptos a participar de um sorteio de alvarás. O último ocorreu em 2011, quando foram distribuídas 1,2 mil autorizações. No Rio, está congelado o sistema de ingresso.
Entre as metrópoles, varia muito o valor da multa e, consequentemente, o comportamento dos taxistas. A prefeitura de São Paulo endurece para algumas infrações e relaxa para outras na comparação com o Rio. Recusa de passageiro custa R$ 114,10, em São Paulo, e R$ 49,49, no Rio. Por outro lado, os cofres municipais cariocas multam em R$ 49,49 taxistas que não tenham boas maneiras com passageiros. Na outra ponta da Via Dutra, a mesma infração sai a R$ 28,50.
Um taxímetro com 1% de imprecisão pode render multa de US$ 50, enquanto a reincidência num desvio de 10% acarreta pagamento de US$ 600 em Nova York. Em Londres, recusar a quantidade de malas ou o número de passageiros previsto para o veículo resulta em pena de £ 1 mil (R$ 3,5 mil). Direção perigosa, embriaguez ou uso de gestos de insulto durante o trabalho podem ser penalizados em £ 200 (R$ 700) ou até dois meses de detenção. Se o motorista obtiver a licença de táxi por meio desonesto é punido com multa a ser calculada e prisão de até dez anos.
As prefeituras de Londres e Nova York também têm cuidados com o conforto do passageiro. A partir de março deste ano, parte da frota londrina vai oferecer conexão wi-fi grátis. A cada 15 minutos de navegação gratuita pelo serviço CabWifi, assiste-se a um comercial de 15 segundos. O sistema também beneficia os taxistas, que podem acessar a internet por meio de aplicativos que organizam corridas. Em Nova York, a prefeitura aprovou um programa piloto para conectar os amarelinhos a pelo menos quatro aplicativos de celular. A novidade será levada às ruas a partir do mês que vem. A prefeitura do Rio promete também um sistema de aplicativos, mas não informa quando será lançado. Por enquanto, a tecnologia usada na praça carioca é restrita a decisões dos próprios motoristas, que usam aparelhos de GPS e televisão a bordo.
— O motorista londrino é considerado um dos grandes exemplos no mundo. Antes da existência do GPS, ele sabia as rotas. É difícil comparar o Rio com cidades de países desenvolvidos, mas vejo três pontos principais. Em primeiro lugar, é preciso treinar os motoristas. A prefeitura poderia levá-los para uma sala, pagar uma diária, e obrigá-los a fazer o treinamento durante o horário de serviço. Em segundo lugar, mais controle na Rodoviária Novo Rio e aeroportos. Por fim, uma fiscalização mais firme sobre táxis nas ruas. Eles aceleram, avançam, abusam de filas duplas — aponta Willian Aquino, coordenador da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) no Rio.
http://extra.globo.com/noticias/rio/outras-cidades-exigem-cursos-para-taxistas-7382625.html
Fonte:Extra Online